segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Onde o pulso faz a curva

Segunda-feira à noite, chuva fina impertinente. Um cigarro, dois cigarros, três, quatro, fim. Preguiça de sair de casa. Dez horas, onze horas, meia-noite: o siricotico do maço acabado atinge enfim o limite do insuportável.

Capote, meias, pau no porquinho, hey ho.

Corifeu em silêncio. Indo, só o chlap-chlap dos tênis furados, agora ensopados, e o tilintar de trinta e quatro moedas. Trocando em miúdos, cinquenta passos e um LM azul. Depois, de volta pra toca - a cabeça, que está lá, espera anuviada.

Um sino agudo soa suas doze badaladas sempre de quatro em quatro. Marotos acentos no tempo fraco.

Não vem da igreja, que fica pra lá da Providência, longe alguns quarteirões deste pedaço inóspito de concreto, esta incansável betoneira, este contínuo canteiro de obras interrompidas a cada fim de gestão. Não. Nada retine neste rebotalho de bairro em cruzamento até 2012 - quando enfim chegará a nova linha do metrô, arrematado pela prefeitura por alguns cobres.

Não. Vem do triângulo ausente, marcado na Casa do Norte, mesmo quando não toca. Mesmo quando ninguém dança e universitários aos gritos bebem cerveja embora o violeiro, voz grave, rouca e doce, mão precisa, Tim Maia nas cordas de aço.

"Pois não?"

Faço o pedido. O swing anima brincadeiras.

"Desculpa, assaltei a igreja..."
"Tem problema. A gente até prefere..."

Minhas mãos se enterram, as duas, no mesmo bolso. Três moedas caem no chão; as demais, verto com cuidado na mão do balconista sério e calmo (uns fiapos de linha branca vão junto; eu cato, meio envergonhado).

"Tá aqui, trinta e quatro de dez. Passou da meia-noite, tô ruim. Melhor contar..."

Ele me olha firme. Não sei se ficou bravo com a brincadeira realmente sem maldade pelo contrário. Finalmente me responde:

"Precisa contar, não. Traga mais, sempre...".

Um turbilhão azul corta a curva da avenida e some no escuro. O bip metálico da campainha se alonga. Nada paira no ar denso da noite do subúrbio, a não ser uma espiral contínua, sem pulso, estirando-se daqui até o Rio Pequeno e logo sumindo nas vielas da São Remo.

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