terça-feira, 15 de junho de 2010

Em defesa do delegado

Da para desistir ?

Para quem não sabe eu faço doutorado em psicologia social na USP e minha pesquisa é sobre relações raciais e racismo no Brasil .Hoje acordei cedo com o propósito de ir na delegacia de crimes raciais e delitos da intolerância –DECRADI- pois um amigo meu precisava de alguns Boletins de Ocorrência sobre crimes de racismo. No metro em direção a Praça da Sé entrou uma senhora negra com sua filha, que também era negra, no banco ao meu lado, a menina começou a chorar ,e para acalmar a mãe tirou uma boneca loira de olhos azuis para a menina brincar. Neste momento eu pensei : Que merda ! desde cedo esta criança vai introjetar como padrão de beleza loiras de olhos azuis .... Eu se fosse a menina teria começado a choras mais ainda! Rs Pois, imagine que dificilmente esta mãe irá conseguir achar para comprar em uma loja popular na cidade de São Paulo uma boneca negra para a filha brincar....Bom, chegando à delegacia de crimes raciais o delegado responsável pelas queixas de crimes raciais e intolerância me atendeu dizendo que havia deixados os B.Os em sua casa. Eu que estranhei um delegado levar os B.Os para casa perguntei se ele também estava fazendo pesquisa sobre o assunto, o delegado educadamente me convidou para sentar e começamos a conversar sobre o assunto. Perguntei ao delegado qual era o grupo que sofria mais ataques, ele me respondeu que primeiramente as torcidas de futebol é que mais causavam violência, e depois disse que os grupos neo-nazistas costumavam atacar negros, homossexuais e lugares de judeus como sinagogas, cemitérios e etc... Fiquei curiosa sobre o assunto e perguntei mais como eram estes ataques, e eis que vem a resposta do delegado:---- Porque você sabe né ? Judeu ninguém gosta, nem agente aqui da delegacia nem os punks, nem os neo-nazistas, nem os ricos nem os pobres... Só eles mesmos conseguem gostar deles, e olhe lá! E como eles são cheios de dinheiro (mostrando com a mão o sinal de dinheiro) os casos de ataques eles mesmos chamam a própria segurança e acabam não precisando da gente. Eu que sou judia, e pesquiso crimes raciais contra negros no Brasil fiquei tão sem palavras que não consegui responder (que raiva). Agora me pergunto: Se este é o delegado que trabalha contra queixas de intolerância e racismo, para quem iremos reclamar dele mesmo ?

Comentários:

da pra insistir?Infelizmente L. a gente sabe de 'cadeirinha' que as vagas no servico publico brasileiro sao ocupadas em sua maioria por pessoas que ignoram o que estao fazendo (ignorantes). Infelizmente todas estas lutas diarias que nos empenhamos por uma "sociedade mais igualitaria", na pratica, nos geram na maioria das vezes, sentimentos de indignacao, estranhamento, solidao, injustica e tristeza. Nao tem jeito nao, ou a gente desiste, ou insiste! ...



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Em defesa do delegado

O delegado desde criança não vai com a cara dos judeus porque, certa vez, sob doce pressão da mãe, foi obrigado a granjear desconto na loja da esquina e ouviu do comerciante palavras duras que nunca mais esqueceu. O delegado guarda mágoa dos judeus, já que, pouco depois do incidente, ouviu de um amiguinho que passou por situação semelhante que aquele cara devia ser judeu e, como tal, pertencente a uma raça que salva o seu e quer que tudo o mais se exploda. Daí em diante ele não jamais aceitou sequer uma carona no guarda-chuva de um judeu (mesmo em noites de tempestade). O delegado passou a torcer contra os judeus desde que, certa madrugada, quando era adolescente, zapeando a TV, logo depois de ouvir as palavras do pastor Silas Mafagafo e os gemidos de êxtase correspondentes, acabou assistindo por acidente a dois documentários na Cultura: um sobre o holocausto, outro sobre Israel. Desde então, por alguma reminiscência infantil, ele resolveu que o lugar dos judeus é lá naquele país, onde eles podem andar à vontade de barba grande, chapeuzinho e toga, matando palestinos aos borbotões. O delegado às vezes prende mentalmente os judeus que lhe cruzam o caminho, pois, um belo dia, quando ainda era aluno da ACAPOL, estava andando por Higienópolis e trombou com um homem de barba grande, chapeuzinho e toga, que, irritado, resmungou, à despeito de seu uniforme a sigla conhecida, coisas muito ofensivas numa língua desconhecida. Isso, além de indispô-lo ainda mais, o fez querer mais ainda ser delegado. É que, não sendo ainda policial, ele não pôde reter o hostil transeunte por assédio moral, ou por atravessar fora da faixa; e, já sendo policial amador, não pôde responder de maneira menos autorizada pela instituição. O delegado tem arrepios quando ouve falar de judeus, porque, mais tarde, quando foi deixar sua lista de casamento na butique do Shopping Higienópolis, se deu conta de que nenhum dos seus convidados poderia comprar coisas lá. E se comprassem, certamente lhe cobrariam a desfeita com piadas deselegantes (por mais que sua esposa caprichasse no brigadeiro, por mais cara que fosse a lembrancinha). O delegado foi pegando repulsa pelos judeus, já que certa vez, depois da última aula do semestre na PUC, foi tratado como empregado ao atender uma ocorrência de roubo na sinagoga (que, talvez para amargar ainda mais a desfeita, garantiu-lhe a janta aquela noite). Hoje ele não se lembra se isso aconteceu com ele ou com um amigo antigo de faculdade. Afinal de contas as ocorrências são muitas, principalmente na época do natal, festa bacana que os judeus ignoram. O delegado passou a considerar os judeus, definitivamente, uma raça herege quando, certa noite, um grupo de maus elementos entrou em sua casa lá na Penha e rapelou tudo, inclusive as coisas boas que datavam do casamento. Para completar a crueldade, os safados deixaram pregado na mesa de centro um bilhete ressumando palavras de vingança (especialidade do Deus judeu). Para trás ficou apenas imagem do Deus-menino, infinita fonte de bondade e perdão, fixada na parede de azujelos amarelos da cozinha. Foi então que ele se deu conta do quanto aquela imagem, que sempre ignorava no repasto matinal, vinha reconfortando-o. Muito mais aliás do que os remédios, as noites no bordel, as duas amantes e o forró de sexta-feira, que já não funcionavam tão bem como antigamente. Recentemente o delegado passou a declarar-se sutilmente como inimigo dos judeus, pois deu-se conta de que, sempre ricos, suprem sua única necessidade de segurança com o setor privado, e assim transformam o trabalho dos policiais em um produto tão barato quanto aqueles com que a maioria de seus amigos o brindaram no casamento, nem por isso poupando-o de piadas deselegantes sobre a falta de variedade da culinária doméstica. O delegado às vezes, sozinho em seu escritório, vitupera contra os judeus, quando lembra que nem a segurança privada, nem os soldados em ronda fizeram nada para impedir aqueles desgraçados que levaram seu filho ao caixa eletrônico, extorquiram o pobrezinho e deixaram em sua testa uma cicatriz que até hoje não saiu. O delegado tem os judeus como algo que não desce na garganta, porque ouviu barbaridades daquela senhorita de mini-saia violentada na Bela Vista. Desde então concluiu que - pai, porque me abandonaste? - resta a ele proteger a classe média dos pobres menos dóceis, tarefa com que a segurança privada, muito mais equipada e bem paga, colabora modicamente e só em bairros onde recebem cafés mais bem adoçados para fazê-lo (e às vezes, é verdade, um ou outro brioche). O delegado já nem esconde que preferia ver todos os judeus mortos, afinal a força foi duramente criticada no ano retrasado, quando reprimiu o protesto da Polícia Civil, justamente por um jornalista judeu. O delegado tremelica de sentimentos violentos contra os judeus porque acha que, se hoje fosse dono de uma empresa de segurança privada chamada David Star e de uma academia de Krav Maga, protegeria apenas os rico e assim seria visto só pelas qualidades que possui, especialmente a de zelar pela paz dos ricos, sendo desonerado das falhas de educação, da origem social pouco ilustre, do olerite maculado pelo carimbo Estatal, dos benefícios da carteira assinada, ou mesmo do posto de xerife de uma cidade sem lei.




Enfim, o delegado afinal de contas chegou à compreensível conclusão de que, se não fosse quem fosse, teria ouvido palavras gentis do comerciante da loja vizinha de sua casa de infância. Com vasta biblioteca em casa, teria aprendido tudo sobre os judeus e muitas outras coisas, sem intervalos comerciais e em livros mais parcimoniosos. Teria também sido desculpado imediatamente pelo encontrão involuntário aquele dia lá em Higienópolis e sido saudado pelo homem de barba grande, chapeuzinho e toga. Anos mais tarde, teria estacionado seu carro importado no valet do shopping daquele mesmo bairro. E no mês seguinte, teria recebido de cada amigo, além de um sorriso sem maldade, presentes os mais caros e úteis, comprados sem remorso à loja cujo dono seria um homem qualquer. Teria além disso festejado todos os seus fartos natais, três dos quais inclusive com a presença do esclarecido Sr. Albrecht Steiner, homem com quem certa vez compartilhara por acaso uma refeição kosher e desde então estreitara relações. Não teria tido amantes, apenas um caso de juventude de que gostaria de se lembrar quando as coisas com a Vera não estivessem bem. Na hora do jantar, admiraria pelo vão do balcão a paisagem com vaquinhas holandesas que teria comprado durante a lua-de-mel na Antuérpia. Durante certa semana de atribulações, teria aproveitado a insônia para ler versos da Torah e disso resultaria uma bela cena doméstica naquele apartamento à cavaleiro do Alto de Pinheiros, onde folgaria suas tardes e noites protegido dessa violência lamentável de que hoje se ouve falar. Todos os dias, antes de sair para o trabalho às 10h, ele deixaria na guarita do Marcão um café bem forte e, semanalmente, um pote daquele confeito que sua esposa tanto aprecia. Marcão seria um bom guarda privado, negro fortíssimo tomado às vezes de certo banzo, mas sempre admirável na sua fala polida. (E o que dizer dos dois belos olhos cor de leite, flutuando no escuro, a pupila esperta girando sobre o perímetro?) Apesar disso, ele tampouco guardaria amargores daquela vez que teve de livrar o filho dos dissabores de uma multa mediante pagamento de um trocado a um soldado da PM. O homem, afinal de contas, só estava fazendo seu trabalho (pelo qual aliás é injustamente mal pago). Jamais teria que lidar com uma vítima de estupro. E com os estupradores, só os duros agentes novaiorquinos teriam, naqueles policiais de mal gosto que seu filho assiste, sob protesto vêemente dele, subsequentemente arrependido de ter presenteado Pedrinho com a filmografia de Pasollini. Na ocasião de uma desavença envolvendo uma gerente da firma, teria sido tratado por senhor e, por isso, ouvido com atenção suas queixas diante da diferença salarial e das atitudes chauvinistas dos colaboradores. Também olharia com bons olhos as moças que andam de mini-saia no Clube Atlético Pinheiros, nisso contrariando inclusive certos maus humores da Vera (que naquele dia não estava bem). Deixaria-se arrebatar por palavras sobre o avanço dos costumes e a emancipação da mulher, aspecto imprescindível da luta pela vida livre, desrecalcada e mais equânime com a qual todas as pessoas de bem colaboram no limite de suas possibilidades. Teria amigos da classe média. Ou melhor, conhecidos. Seriam visitas ocasionais que, se não o tratariam como senhor tal qual a secretária, reservar-lhe-iam certa admiração implícita e sutil, cuidando de não ocupar muito as conversas com coisas mesquinhas, perguntando interessados sobre a saúde da família, respondendo com risos naturais a suas piadas nem sempre refinadas, apreendendo imediatamente o sentido de suas insinuações, prestando-se a interessantes discussões sobre as artes, o mundo dos negócios e as últimas notícias daquela vinícola especial da Borgonha. (só muitíssimo raramente, como antepasto, entrariam nessas conversas assuntos tão rombudos quanto o dissenso entre as forças de patrulhamento de São Paulo). Providenciando descanso mental e físico, a fim de manter sua forma invejável para os já completos 50 anos, praticaria também Tai-chi nas manhãs de sábado, procurando com isso preservar na semana um espaço para as atividades físicas que antes – é verdade - distribuíam-se entre a canoagem, o squash, a corrida, a equitação, o ciclismo e um futebol aqui e ali. Teria certa vez ouvido falar que os filhos de seus amigos praticam essa luta brutal que se quer defensiva, mas teria desde sempre atribuído isso a certa paranóia que tem a ver com a vida dos que estão um pouco a perigos, sendo obrigados a parar em semáforos que ele sobrevôa todos os dias em seu helicóptero de última geração.

Depois de certamente ter pensado nisso tudo, é possível que o delegado também tenha intuído que não detestaria judeus se as coisas tivessem lhe rendido na vida um pouco mais do que o indigno posto de delegado. Em todo caso, na impossibilidade de largar o posto e reformar a vida como gostaria, o delegado, que se chama José Alves Pereira dos Santos, preferiu continuar detestando judeus. E achou que não fosse incoveniente deixar coar um pouco de veneno sobre eles. De qualquer maneira, ele estava apenas tentando justificar seu abandono, em prosa solta, àquela moça simpática que, à pretexto de pedir uns B.O.s, acabou inquirindo-o sobre as ocorrências envolvendo negros, etnia contra cujo desrespeito ele e seus rapazes são os primeiros a se colocar.

É capaz que jamais venha a perceber ou lembrar a gafe que cometeu. Ao contrário de certas coisas que já viu neste mundo de que Deus deve estar um pouco esquecido...

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